“Se fosse preciso concentrar numa palavra a
descoberta Freudiana, essa palavra seria incontestavelmente inconsciente” - J. Laplanche e J.-B. Pontalis em Vocabulário da Psicanálise.
Sigmund Freud (1856-1939) foi um
médico vienense que alterou, radicalmente, o modo de pensar a vida psíquica.
Sua contribuição é comparável à de Karl Marx na compreensão dos processos
históricos e sociais. Freud ousou colocar os “processos misteriosos” do
psiquismo, suas “regiões obscuras”, isto é, as fantasias, os sonhos, os esquecimentos,
a interioridade do homem, como problemas científicos. A investigação sistemática desses problemas
levou Freud à criação da Psicanálise.
Freud formou-se em Medicina na
Universidade de Viena, em 1881, e especializou-se em Psiquiatria. Trabalhou
algum tempo em um laboratório de Fisiologia e deu aulas de Neuropatologia no
instituto onde trabalhava. Por dificuldades financeiras, não pôde dedicar-se integralmente
à vida acadêmica e de pesquisador. Começou, então, a clinicar, atendendo
pessoas acometidas de “problemas nervosos”.
Obteve, ao final da residência médica, uma bolsa de estudo
para Paris, onde trabalhou com Jean Charcot, psiquiatra francês que tratava as histerias
com hipnose. Em 1886, retornou a Viena e voltou a clinicar, e seu principal
instrumento de trabalho na eliminação dos sintomas dos distúrbios nervosos
passou a ser a sugestão hipnótica (O médico induz o
paciente a um estado alterado da consciência e, nesta condição, investiga a ou
as conexões entre condutas e/ou entre fatos e condutas que podem ter
determinado o surgimento de um sintoma. O médico também introduz novas idéias
(a sugestão) que podem, pelo menos temporariamente, provocar o desaparecimento
do sintoma.)
Em Viena, o contato de Freud com Josef Breuer, médico e cientista,
também foi importante para a continuidade das investigações.
Breuer denominou método catártico o tratamento que
possibilita a liberação de afetos e emoções ligadas a acontecimentos
traumáticos que não puderam ser expressos na ocasião da vivência desagradável
ou dolorosa. Esta liberação de afetos leva à eliminação dos sintomas.
Freud, em sua Autobiografia, afirma que desde o início de
sua prática médica usara a hipnose, não só com objetivos de sugestão, mas também
para obter a história da origem dos sintomas.
Posteriormente, passou a utilizar o método catártico o e, aos
poucos, foi modificando a técnica de Breuer: abandonou a hipnose, porque nem
todos os pacientes se prestavam a ser hipnotizados; desenvolveu a técnica de ‘concentração’
, na qual a rememorização sistemática era feita por meio da conversação normal;
e por fim, acatando a sugestão (de uma jovem) anônima, abandonou as perguntas e
com elas a direção da sessão para se confiar por completo à fala desordenada do
paciente.
“Qual poderia ser a
causa de os pacientes esquecerem tantos fatos de sua vida interior e
exterior...?”, perguntava-se Freud.
O esquecido era sempre algo penoso para o indivíduo, e era exatamente
por isso que havia sido esquecido e o penoso não significava, necessariamente,
sempre algo ruim, mas podia se referir a algo bom que se perdera ou que fora
intensamente desejado.
Freud abandonou as perguntas no trabalho terapêutico com os
pacientes e os deixou dar livre curso às suas idéias, observou que, muitas
vezes, eles ficavam embaraçados, envergonhados com algumas idéias ou imagens
que lhes ocorriam. A esta força psíquica que se opunha a tornar consciente, a
revelar um pensamento, Freud denominou resistência. E chamou de repressão o
processo psíquico que visa encobrir, fazer desaparecer da consciência, uma
idéia ou representação insuportável e dolorosa que está na origem do sintoma.
Estes conteúdos psíquicos “localizam-se” no inconsciente.
A finalidade deste trabalho
investigativo é o autoconhecimento, que possibilita lidar com o sofrimento,
criar mecanismos de superação das dificuldades, dos conflitos e dos
submetimentos em direção a uma produção humana mais autônoma, criativa e
gratificante de cada indivíduo, dos grupos, das instituições.
Nesta tarefa, muitas vezes
bastante desejada pelo paciente, é necessário que o psicanalista ajude a
desmontar, pacientemente, as resistências inconscientes que obstaculizam a
passagem dos conteúdos inconscientes para a consciência.
A representação social (a idéia) da
Psicanálise ainda é bastante estereotipada em nosso meio. Associamos a
Psicanálise com o divã, com o trabalho de consultório excessivamente longo e só
possível para as pessoas de alto poder aquisitivo. Esta idéia correspondeu,
durante muito tempo, à prática nesta área que se restringia, exclusivamente, ao
consultório.
Contudo, há várias décadas é
possível constatar a contribuição da Psicanálise e dos psicanalistas em várias
áreas da saúde mental. Historicamente, é importante lembrar a contribuição do psiquiatra
e psicanalista D. W. Winnicott, cujos programas radiofônicos transmitidos na
Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, orientavam os pais na criação dos
filhos, ou a contribuição de Ana Freud para a Educação e, mais recentemente, as
contribuições de Françoise Dolto e Maud Mannoni para o trabalho com crianças e
adolescentes em instituições — hospitais, creches, abrigos.
Atualmente, e inclusive no
Brasil, os psicanalistas estão debatendo o alcance social da prática clínica
visando torná-la acessível a amplos setores da sociedade. Eles também estão
voltados para a pesquisa e produção de conhecimentos que possam ser úteis na
compreensão de fenômenos sociais graves, como o aumento do envolvimento do adolescente
com a criminalidade, o surgimento de novas (antigas?) formas de sofrimento
produzidas pelo modo de existência no mundo contemporâneo — as drogadições, a anorexia,
a síndrome do pânico, a excessiva medicalização do sofrimento, a sexualização
da infância.
Enfim, eles procuram compreender os novos modos de
subjetivação e de existir, as novas expressões que o sofrimento psíquico
assume. A partir desta compreensão e de suas observações, os psicanalistas
tentam criar modalidades de intervenção no social que visam superar o mal-estar
na civilização.
Aliás, o próprio Freud, em várias
de suas obras — O mal-estar na civilização, Reflexões para o tempo de guerra e
morte — coloca questões sociais, e ainda atuais, como objeto de reflexão, ou
seja, nos faz pensar e ver o que mais nos incomoda: a possibilidade constante
de dissociação dos vínculos sociais.
O método psicanalítico usado para
desvendar o real, compreender o sintoma individual ou social e suas
determinações, é o interpretativo.
No caso da análise individual, o
material de trabalho do analista são os sonhos, as associações livres, os atos
falhos (os esquecimentos, as substituições de palavras etc.). Em cada um desses
caminhos de acesso ao inconsciente, o que vale é a história pessoal. Cada palavra,
cada símbolo tem um significado particular para cada indivíduo, o qual só pode ser
apreendido a partir de sua história, que é absolutamente única e singular.
Por isso é que se diz que, a cada
nova situação, realiza-se O sofrimento humano assume inúmeras expressões.
novamente a experiência inaugurada por Freud, no início do século 20 — a
experiência de tentar descobrir as regiões obscuras da vida psíquica.
SOBRE O INCONSCIENTE
Que significa haver o inconsciente?
Em primeiro lugar (...) uma certa forma de descobrir sentidos, típica da
interpretação psicanalítica.
Ou seja, tendo descoberto uma
espécie de ordem nas emoções das pessoas, os psicanalistas afirmam que há um
lugar hipotético donde elas provêm. É como se supuséssemos que existe um lugar
na mente das pessoas que funciona à semelhança da interpretação que fazemos; só
que ao contrário: lá se cifra o que aqui deciframos.
Veja os sonhos, por exemplo.
Dormindo, produzimos estranhas histórias, que parecem fazer sentido, sem que
saibamos qual. Chegamos a pensar que nos anunciam o futuro, simplesmente porque
parecem anunciar algo, querer comunicar algum sentido. Freud, tratando dos sonhos,
partia do princípio de que eles diziam algo e com bastante sentido. Não, porém,
o futuro. Decidiu interpretá-los. Sua técnica interpretativa era mais ou menos
assim. Tomava as várias partes de um sonho, seu ou alheio, e fazia com que o
sonhador associasse idéias e lembranças a cada uma delas. Foi possível
descobrir assim que os sonhos diziam respeito, em parte, aos acontecimentos do
dia anterior, embora se relacionassem também com modos de ser infantis do
sujeito.
Igualmente, ele descobriu algumas
regras da lógica das emoções que produz os sonhos. Vejamos as mais conhecidas.
Com freqüência, uma figura que aparece nos sonhos, uma pessoa, uma situação, representa
várias figuras fundidas, significa isso e aquilo ao mesmo tempo. Chama-se este
processo condensação, e ele explica o porquê de qualquer interpretação ser
sempre muito mais extensa do que o sonho interpretado. Outro processo, chamado
deslocamento, é o de dar o sonho uma importância emocional maior a certos
elementos que, quando da interpretação, se revelarão secundários negando-se
àqueles que se mostrarão realmente importantes. Um detalhezinho do sonho
aparece, na interpretação, como o elo fundamental.
Digamos que o sonho, como um
estudante desatento, coloca erradamente o acento tônico (emocional, é claro),
criando um drama diverso do que deveria narrar; como se dissesse Ésquilo por
esquilo...
Um terceiro processo de formação
do sonho consiste em que tudo é representado por meio de símbolos e, um quarto,
reside na forma final do sonho que, ao contrário da interpretação, não é uma
história contada com palavras, porém uma cena visual. (...)
Do conjunto de associações que
partem do sonho, o intérprete retira um sentido que lhe parece razoável. Para
Freud, e para nós, todo sonho é uma tentativa de realização do desejo. (...)
Será tudo apenas um brinquedo,
uma charada que se inventa para resolver? Não, por certo (...).
Apenas você deve compreender que
o inconsciente psicanalítico não é uma coisa embutida no fundo da cabeça dos
homens, uma fonte de motivos que explicam o que de outra forma ficaria pouco
razoável — como o medo de baratas ou a necessidade de autopunição. Inconsciente
é o nome que se dá a um sistema lógico que, por necessidade teórica, supomos
que opere na mente das pessoas, sem no entanto afirmar que, em si mesmo, seja
assim ou assado. Dele só sabemos pela interpretação.
Fábio Herrmann. O que é
Psicanálise. São Paulo, Abril Cultural/Brasiliense, 1984. (Coleção Primeiros
Passos, 12) p. 33-6.
Livros indicados para
o aluno
O livro de Fábio Herrmann, O que
é Psicanálise (São Paulo, Abril Cultural/Brasiliense, 1984. Coleção Primeiros
Passos), é um livro introdutório aos principais conceitos da Psicanálise. A
linguagem é fácil e atraente.
Renato Mezan em seu livro Sigmund
Freud, série Encanto Radical (São Paulo, Brasiliense, 1982), situa
historicamente o aparecimento da Psicanálise, os dados biográficos de Freud e
os conceitos fundamentais da teoria. É uma boa referência para se iniciar um
estudo da Psicanálise.
Livros indicados para
o professor
As obras completas de Sigmund
Freud estão editadas no Brasil pela editora Imago, Rio de Janeiro. Nela estão
contidas sua Autobiografia (histórico das descobertas do autor) e as Cinco conferências (exposição
sistemática e introdutória da teoria psicanalítica).
O livro Noções básicas de
Psicanálise: introdução à Psicologia psicanalítica, de Charles Brenner (5. ed.
Rio de Janeiro, Imago, 1987), é bastante utilizado pelos iniciantes no estudo
da Psicanálise e fornece uma visão ampla dos fundamentos dessa teoria.
Para consultas específicas sobre
a terminologia psicanalítica, bem como as diferentes formas de conceituar o
mesmo fenômeno ou processo na teoria de S. Freud, existe o livro de J. Laplanche
e J.-B.
Pontalis, Vocabulário da Psicanálise (São Paulo, Martins
Fontes, s. d.).
Este é um livro bastante conceituado pelo rigor e exatidão
das concepções freudianas.
Filme Indicado
Freud, além da alma. Direção John
Huston (EUA, 1962) – O filme mostra o início dos trabalhos de Freud em Viena,
enfocando sua teoria sobre interpretação dos sonhos. Mostra também a rejeição
da comunidade médica às suas idéias.
Fonte: Google Acadêmico
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