terça-feira, 9 de junho de 2020

Sobre a Psicanálise

“Se  fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta Freudiana, essa palavra seria incontestavelmente inconsciente” -  J. Laplanche e J.-B. Pontalis  em Vocabulário da Psicanálise.


 

Sigmund Freud (1856-1939) foi um médico vienense que alterou, radicalmente, o modo de pensar a vida psíquica. Sua contribuição é comparável à de Karl Marx na compreensão dos processos históricos e sociais. Freud ousou colocar os “processos misteriosos” do psiquismo, suas “regiões obscuras”, isto é, as fantasias, os sonhos, os esquecimentos, a interioridade do homem, como problemas científicos.  A investigação sistemática desses problemas levou Freud à criação da Psicanálise.

Freud formou-se em Medicina na Universidade de Viena, em 1881, e especializou-se em Psiquiatria. Trabalhou algum tempo em um laboratório de Fisiologia e deu aulas de Neuropatologia no instituto onde trabalhava. Por dificuldades financeiras, não pôde dedicar-se integralmente à vida acadêmica e de pesquisador. Começou, então, a clinicar, atendendo pessoas acometidas de “problemas nervosos”.

Obteve, ao final da residência médica, uma bolsa de estudo para Paris, onde trabalhou com Jean Charcot, psiquiatra francês que tratava as histerias com hipnose. Em 1886, retornou a Viena e voltou a clinicar, e seu principal instrumento de trabalho na eliminação dos sintomas dos distúrbios nervosos passou a ser a sugestão hipnótica (O médico induz o paciente a um estado alterado da consciência e, nesta condição, investiga a ou as conexões entre condutas e/ou entre fatos e condutas que podem ter determinado o surgimento de um sintoma. O médico também introduz novas idéias (a sugestão) que podem, pelo menos temporariamente, provocar o desaparecimento do sintoma.)

Em Viena, o contato de Freud com Josef Breuer, médico e cientista, também foi importante para a continuidade das investigações.

Breuer denominou método catártico o tratamento que possibilita a liberação de afetos e emoções ligadas a acontecimentos traumáticos que não puderam ser expressos na ocasião da vivência desagradável ou dolorosa. Esta liberação de afetos leva à eliminação dos sintomas.

Freud, em sua Autobiografia, afirma que desde o início de sua prática médica usara a hipnose, não só com objetivos de sugestão, mas também para obter a história da origem dos sintomas.

Posteriormente, passou a utilizar o método catártico o e, aos poucos, foi modificando a técnica de Breuer: abandonou a hipnose, porque nem todos os pacientes se prestavam a ser hipnotizados; desenvolveu a técnica de ‘concentração’ , na qual a rememorização sistemática era feita por meio da conversação normal; e por fim, acatando a sugestão (de uma jovem) anônima, abandonou as perguntas e com elas a direção da sessão para se confiar por completo à fala desordenada do paciente.

 “Qual poderia ser a causa de os pacientes esquecerem tantos fatos de sua vida interior e exterior...?”, perguntava-se Freud.

O esquecido era sempre algo penoso para o indivíduo, e era exatamente por isso que havia sido esquecido e o penoso não significava, necessariamente, sempre algo ruim, mas podia se referir a algo bom que se perdera ou que fora intensamente desejado.

Freud abandonou as perguntas no trabalho terapêutico com os pacientes e os deixou dar livre curso às suas idéias, observou que, muitas vezes, eles ficavam embaraçados, envergonhados com algumas idéias ou imagens que lhes ocorriam. A esta força psíquica que se opunha a tornar consciente, a revelar um pensamento, Freud denominou resistência. E chamou de repressão o processo psíquico que visa encobrir, fazer desaparecer da consciência, uma idéia ou representação insuportável e dolorosa que está na origem do sintoma. Estes conteúdos psíquicos “localizam-se” no inconsciente.

A finalidade deste trabalho investigativo é o autoconhecimento, que possibilita lidar com o sofrimento, criar mecanismos de superação das dificuldades, dos conflitos e dos submetimentos em direção a uma produção humana mais autônoma, criativa e gratificante de cada indivíduo, dos grupos, das instituições.
Nesta tarefa, muitas vezes bastante desejada pelo paciente, é necessário que o psicanalista ajude a desmontar, pacientemente, as resistências inconscientes que obstaculizam a passagem dos conteúdos inconscientes para a consciência.

A representação social (a idéia) da Psicanálise ainda é bastante estereotipada em nosso meio. Associamos a Psicanálise com o divã, com o trabalho de consultório excessivamente longo e só possível para as pessoas de alto poder aquisitivo. Esta idéia correspondeu, durante muito tempo, à prática nesta área que se restringia, exclusivamente, ao consultório.

Contudo, há várias décadas é possível constatar a contribuição da Psicanálise e dos psicanalistas em várias áreas da saúde mental. Historicamente, é importante lembrar a contribuição do psiquiatra e psicanalista D. W. Winnicott, cujos programas radiofônicos transmitidos na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, orientavam os pais na criação dos filhos, ou a contribuição de Ana Freud para a Educação e, mais recentemente, as contribuições de Françoise Dolto e Maud Mannoni para o trabalho com crianças e adolescentes em instituições — hospitais, creches, abrigos.

Atualmente, e inclusive no Brasil, os psicanalistas estão debatendo o alcance social da prática clínica visando torná-la acessível a amplos setores da sociedade. Eles também estão voltados para a pesquisa e produção de conhecimentos que possam ser úteis na compreensão de fenômenos sociais graves, como o aumento do envolvimento do adolescente com a criminalidade, o surgimento de novas (antigas?) formas de sofrimento produzidas pelo modo de existência no mundo contemporâneo — as drogadições, a anorexia, a síndrome do pânico, a excessiva medicalização do sofrimento, a sexualização da infância.

Enfim, eles procuram compreender os novos modos de subjetivação e de existir, as novas expressões que o sofrimento psíquico assume. A partir desta compreensão e de suas observações, os psicanalistas tentam criar modalidades de intervenção no social que visam superar o mal-estar na civilização.

Aliás, o próprio Freud, em várias de suas obras — O mal-estar na civilização, Reflexões para o tempo de guerra e morte — coloca questões sociais, e ainda atuais, como objeto de reflexão, ou seja, nos faz pensar e ver o que mais nos incomoda: a possibilidade constante de dissociação dos vínculos sociais.
O método psicanalítico usado para desvendar o real, compreender o sintoma individual ou social e suas determinações, é o interpretativo.

No caso da análise individual, o material de trabalho do analista são os sonhos, as associações livres, os atos falhos (os esquecimentos, as substituições de palavras etc.). Em cada um desses caminhos de acesso ao inconsciente, o que vale é a história pessoal. Cada palavra, cada símbolo tem um significado particular para cada indivíduo, o qual só pode ser apreendido a partir de sua história, que é absolutamente única e singular.

Por isso é que se diz que, a cada nova situação, realiza-se O sofrimento humano assume inúmeras expressões. novamente a experiência inaugurada por Freud, no início do século 20 — a experiência de tentar descobrir as regiões obscuras da vida psíquica.


SOBRE O INCONSCIENTE



Que significa haver o inconsciente? Em primeiro lugar (...) uma certa forma de descobrir sentidos, típica da interpretação psicanalítica.

Ou seja, tendo descoberto uma espécie de ordem nas emoções das pessoas, os psicanalistas afirmam que há um lugar hipotético donde elas provêm. É como se supuséssemos que existe um lugar na mente das pessoas que funciona à semelhança da interpretação que fazemos; só que ao contrário: lá se cifra o que aqui deciframos.

Veja os sonhos, por exemplo. Dormindo, produzimos estranhas histórias, que parecem fazer sentido, sem que saibamos qual. Chegamos a pensar que nos anunciam o futuro, simplesmente porque parecem anunciar algo, querer comunicar algum sentido. Freud, tratando dos sonhos, partia do princípio de que eles diziam algo e com bastante sentido. Não, porém, o futuro. Decidiu interpretá-los. Sua técnica interpretativa era mais ou menos assim. Tomava as várias partes de um sonho, seu ou alheio, e fazia com que o sonhador associasse idéias e lembranças a cada uma delas. Foi possível descobrir assim que os sonhos diziam respeito, em parte, aos acontecimentos do dia anterior, embora se relacionassem também com modos de ser infantis do sujeito.

Igualmente, ele descobriu algumas regras da lógica das emoções que produz os sonhos. Vejamos as mais conhecidas. Com freqüência, uma figura que aparece nos sonhos, uma pessoa, uma situação, representa várias figuras fundidas, significa isso e aquilo ao mesmo tempo. Chama-se este processo condensação, e ele explica o porquê de qualquer interpretação ser sempre muito mais extensa do que o sonho interpretado. Outro processo, chamado deslocamento, é o de dar o sonho uma importância emocional maior a certos elementos que, quando da interpretação, se revelarão secundários negando-se àqueles que se mostrarão realmente importantes. Um detalhezinho do sonho aparece, na interpretação, como o elo fundamental.
Digamos que o sonho, como um estudante desatento, coloca erradamente o acento tônico (emocional, é claro), criando um drama diverso do que deveria narrar; como se dissesse Ésquilo por esquilo...

Um terceiro processo de formação do sonho consiste em que tudo é representado por meio de símbolos e, um quarto, reside na forma final do sonho que, ao contrário da interpretação, não é uma história contada com palavras, porém uma cena visual. (...)

Do conjunto de associações que partem do sonho, o intérprete retira um sentido que lhe parece razoável. Para Freud, e para nós, todo sonho é uma tentativa de realização do desejo. (...)

Será tudo apenas um brinquedo, uma charada que se inventa para resolver? Não, por certo (...).

Apenas você deve compreender que o inconsciente psicanalítico não é uma coisa embutida no fundo da cabeça dos homens, uma fonte de motivos que explicam o que de outra forma ficaria pouco razoável — como o medo de baratas ou a necessidade de autopunição. Inconsciente é o nome que se dá a um sistema lógico que, por necessidade teórica, supomos que opere na mente das pessoas, sem no entanto afirmar que, em si mesmo, seja assim ou assado. Dele só sabemos pela interpretação.

Fábio Herrmann. O que é Psicanálise. São Paulo, Abril Cultural/Brasiliense, 1984. (Coleção Primeiros Passos, 12) p. 33-6.



Livros indicados para o aluno

O livro de Fábio Herrmann, O que é Psicanálise (São Paulo, Abril Cultural/Brasiliense, 1984. Coleção Primeiros Passos), é um livro introdutório aos principais conceitos da Psicanálise. A linguagem é fácil e atraente.

Renato Mezan em seu livro Sigmund Freud, série Encanto Radical (São Paulo, Brasiliense, 1982), situa historicamente o aparecimento da Psicanálise, os dados biográficos de Freud e os conceitos fundamentais da teoria. É uma boa referência para se iniciar um estudo da Psicanálise.

Livros indicados para o professor

As obras completas de Sigmund Freud estão editadas no Brasil pela editora Imago, Rio de Janeiro. Nela estão contidas sua Autobiografia (histórico das descobertas do autor) e as Cinco conferências (exposição sistemática e introdutória da teoria psicanalítica).

O livro Noções básicas de Psicanálise: introdução à Psicologia psicanalítica, de Charles Brenner (5. ed. Rio de Janeiro, Imago, 1987), é bastante utilizado pelos iniciantes no estudo da Psicanálise e fornece uma visão ampla dos fundamentos dessa teoria.

Para consultas específicas sobre a terminologia psicanalítica, bem como as diferentes formas de conceituar o mesmo fenômeno ou processo na teoria de S. Freud, existe o livro de J. Laplanche e J.-B.

Pontalis, Vocabulário da Psicanálise (São Paulo, Martins Fontes, s. d.).
Este é um livro bastante conceituado pelo rigor e exatidão das concepções freudianas.

Filme Indicado


Freud, além da alma. Direção John Huston (EUA, 1962) – O filme mostra o início dos trabalhos de Freud em Viena, enfocando sua teoria sobre interpretação dos sonhos. Mostra também a rejeição da comunidade médica às suas idéias.



Fonte: Google Acadêmico

Nenhum comentário:

Postar um comentário